sábado, 12 de março de 2011

Se te amasse com todas as forças...

Ó Senhor! Se te amasse com todas as forças, com a força deste amor amaria a meu próximo como a mim mesmo. .Pelo contrário, sou muito insensível aos seus males, ao passo que sou muito sensível aos meus; sou tão frio em compadecer-me dele, tão lento em socorrê-lo, tão fraco em consolá-lo: numa palavra, tão indiferente ao seu bem e ao seu mal....Mas, ó Deus, se não pudesse amar, Tu não me dirias: “Ama!”; se não tivesse a força de amar, Tu não me dirias: Ama com todas as tuas forças” (Mc 12, 30, 31). Mas, ó meu Deus, se eu posso e tenho força, porque não o faço agora diante de Ti, onde eu o quero, onde procuro querê-lo sinceramente? Talvez eu queira e não queira ao mesmo tempo? Talvez, amar é algo diferente do que ter boa vontade? Ó meu Deus! Explica-me meu mal e a necessidade que tenho de Ti, para servir-me de minhas forças, para querer o que quero, ou para começar a querer....Ó Senhor! Atrai-me , começa e faze que eu siga; começa, e acharei o coração e as forças para tudo empregar em amar-te. (Jacques Bénigne Bossuet).

“ Somente o encontro com Deus permite não ver no outro sempre e somente o outro, mas reconhecer nele a imagem divina, acabando assim por descobrir verdadeiramente o outro e tornar maduro um amor que se concretiza no cuidado do outro e para o outro” (Bento XVI)

Provocados a levantar vôo

No apogeu da vida mística, após um longo caminho da harmonização interior e exterior, quando “só o amor é já o exercício” da alma e está feita a união “no mesmo amor” com o Amado, o ser humano anela por conhecer os Mistérios da Encarnação. No desejo de ver enfim concluída a união com Aquele que é a “luz dos seus olhos”, como uma pessoa que chega de longe, logo que chega, procura ver e falar com quem tem grande amizade, dirige-lhe esta súplica veemente:

“Peço-te, pois, que seja eu a tal ponto transformado em tua formosura, que, assemelhando-me a ela, possa ver-me contigo em tua própria formosura, tendo em mim mesma esta formosura que é tua.

E assim, olhando um para o outro, cada um veja no outro sua formosura, pois ambos têm a mesma formosura tua, estando eu já absorvida em tua formosura. Deste modo, eu te verei, a ti, em tua formosura, e tu hás de ver a mim em tua formosura; eu me verei em ti na tua formosura, e tu verás em mim na tua formosura; aparecerá em mim somente a tua formosura, e tu aparecerás também em tua própria formosura; então, minha formosura será a tua, e a tua, minha. E chegarei a ser tu mesmo, em tua formosura, e tu chegarás a ser eu, em tua mesma formosura, porque só a tua formosura será a minha, e assim nos veremos um ao outro em tua formosura”. (S. João da cruz).

terça-feira, 8 de março de 2011

Quaresma...Pensando em vida. Algumas considerações...


“Lembra-te que és pó, e ao pó hás de voltar”.

“Tu amas, Senhor, todas as coisas que existem e nada desprezas do que criaste; se odiasses alguma coisa, não a terias criado... Tu conservas todas as coisas, porque todas são tuas, Senhor, amante da vida” (Sab 11,24-26).

“Ó morte, onde está a tua vitória?”.

Em tempo de quaresma, que começa com o sugestivo (para alguns) e mágico (para outros) rito das cinzas, pensemos na vida, pois o fim do caminho da quaresma (símbolo da caminhada de nossa vida humana) é a celebração da vitória da Vida sobre a morte em Cristo Jesus.

Tu és pó!”. O homem, então, é pó? Que tipo de homem seria esse?

Com certeza, é o homem que se afastou de Deus, rejeitou o diálogo, foi expulso de sua casa, repeliu o dinamismo do amor, para enveredar numa trajetória de dissolução e de morte. Ou o homem que se opõe a Deus, vira as costas ao seu próprio ser, rejeita sua identidade de filho e condena a si mesmo ao nada. É o homem que se afasta da vontade do Criador.

Felizmente, nesse itinerário de afastamento, existe a possibilidade de uma volta. É possível mudar de direção e voltar à origem. É possível não caminhar para a morte, mas voltar à Fonte. E a FONTE, “ que mana e corre, mesmo de noite”, é Deus, AMANTE DA VIDA.

Eis a conversão! “Lembra-te que és pó, e como pó voltarás....a Deus”. Basta querer. Desde já. É preciso somente tornar-se terra e entregar-se novamente ao Construtor, ao Criador. E aceitar que Ele nos faça de novo. O Artista Divino é capaz de refazer-nos conforme seu projeto original e quer que sejamos sua obra-prima.

Se por acaso erramos, perdemos o caminho da vida ou o sentido do Reino e envolvemos outros em nossa culpa, aceitando nossa realidade, isto é, que somos pó, Ele inclinar-se-á sobre nós para soprar seu sopro de vida.

Assim nosso “nada” será transformado no “tudo” pela plenitude divina. E se ainda nos rebelamos, não aceitando seu projeto e quebrando nossa identidade divina, mesmo em pedaços, gritando de dor e com saudade da casa paterna, Ele saberá reconhecer-nos e, com mão delicada, recolherá os pedaços e nos recriará. Pois, nenhum artista – tanto menos o Artista Divino – dá por perdida qualquer uma de suas obras.

Todo ser humano é fruto do amor transbordante de Deus. Se prestarmos atenção, este amor de Deus se manifesta em tudo. Uma menina que procurava ansiosamente por Deus, depois de fazer a descoberta de sua presença na vida, em qualquer tipo de vida, escreveu atrás de uma fotografia de um prado florido: “Esta é uma fotografia tirada antes de descobrir que Deus nos sorri, nos ama e fala do seu amor para nos nas flores, nas árvores, nas estrelas, em cada gota de vida”.Nunca poderemos entender verdadeiramente quanto Deus seja Deus-para-nós.

O segredo da felicidade é uma vida com Deus. Longe Dele, ser feliz é praticamente inconcebível. “Nossa vida nasce, vive, amadurece e chega ao fim em relação existencial e moral com Deus. Aqui está toda a esperança da vida, aqui a filosofia da verdade, aqui a teologia do nosso destino... O homem não pode ser entendido sem esta referência essencial com Deus, que incumbe sobre nós, que nos conhece, observa-nos, penetra-nos, conserva-nos continuamente. Ele é o Pai de nossa vida”(Paulo VI).

Deus Pai nos ama, sustenta-nos, acaricia-nos, torna-nos felizes, seja que estejamos num leito de dor, seja que estejamos num prado de flores.

Pensando em cinzas, em quaresma, é bom pensar na vida: a vida que surge e ressurge do pó, das cinzas, da conversão, do sopro do Espírito. E nada: nem cinzas, nem lama, nem poeira, nem pecado algum será empecilho para reconhecermos em nós e nos outros o resplendor do rosto de um filho de Deus.

Pensemos não nas cinzas do túmulo, da morte, mas num punhado de terra na mão do Artífice Divino, no momento solene da Criação; um punhado de terra pronto a receber o “sopro” e tornar-se, assim, “vivente”.

Pensemos no Senhor que “trata com indulgência todas as coisas, porque todas são suas, do Senhor, amante da vida” (Sab 11, 26). Conversão, afinal, é abraçar a vida!

Frei Pierino Orlandini